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sexta-feira, 29 de julho de 2016

Clarice Lispector - A paixão segundo G.H. (frag)

Talvez desilusão seja o medo de não pertencer mais a um sistema. No entanto se deveria dizer assim: ele está muito feliz porque finalmente foi desiludido. O que eu era antes não me era bom. Mas era desse não-bom que eu havia organizado o melhor: a esperança. De meu próprio mal eu havia criado um bem futuro. O medo agora é que meu novo modo não faça sentido? Mas por que não me deixo guiar pelo que for acontecendo? Terei que correr o sagrado risco do acaso. E substituirei o destino pela probabilidade.

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Clarice Lispector - Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres (frag)

— E então você não quis mais nada disso. E parou com a possibilidade de dor, o que nunca se faz impunemente. Apenas parou e nada encontrou além disso. Eu não digo que eu tenha muito, mas tenho ainda a procura intensa e uma esperança violenta. Não esta sua voz baixa e doce. E eu não choro, se for preciso um dia eu grito, Lóri. Estou em plena luta e muito mais perto do que se chama de pobre vitória humana do que você, mas é vitória. Eu já poderia ter você com o meu corpo e minha alma. Esperarei nem que sejam anos que você também tenha corpo-alma para amar. Nós ainda somos moços, podemos perder algum tempo sem perder a vida inteira. Mas olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer "pelo menos não fui tolo" e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia. Mas eu escapei disso, Lóri, escapei com a ferocidade com que se escapa da peste, Lóri, e esperarei até você também estar mais pronta. 

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

sábado, 2 de maio de 2015

Clarice Lispector - Água Viva (frag)

A violeta é introvertida e sua introspecção é profunda. Dizem que se esconde por modéstia. Não é. Esconde-se para poder captar o próprio segredo. Seu quase-não-perfume é glória abafada mas exige da gente que o busque. Não grita nunca o seu perfume. Violeta diz levezas que não se pode dizer.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Clarice Lispector - Água viva (frag)

Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada.

quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Clarice Lispector - A Maça no Escuro (frag)

Que coisa estranha: até agora eu parecia estar querendo alcançar com a última ponta de meu dedo a própria última ponta de meu dedo – é verdade que nesse extremo esforço, cresci: mas a ponta de meu dedo continuou inalcançável. Fui até onde pude. Mas como é que não compreendi que aquilo que não alcanço em mim… já são os outros? Os outros, que são o nosso mais profundo mergulho!

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Clarice Lispector - A Maça no Escuro (frag)

(…) não existia essa coisa de não ter nada a perder. O que existia era alguém que arrisca tudo; pois embaixo do nada e do nada e do nada, estamos nós que, por algum motivo, não podemos perder.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Clarice Lispector - Lição de Filho

Recebi uma lição de um de meus filhos, antes dele fazer 14 anos. Haviam me telefonado avisando que uma moça que eu conhecia ia tocar na televisão, transmitido pelo Ministério da Educação. Liguei a televisão, mas em grande dúvida. Eu conhecera essa moça pessoalmente e ela era excessivamente suave, com voz de criança, e de um feminino-infantil. E eu me perguntava: terá ela força no piano? Eu a conhecera num momento muito importante: quando ela ia escolher a “camisola do dia” para o casamento. As perguntas que me fazia era de uma franqueza ingênua que me surpreendia. Tocaria ela piano?

Começou. E, Deus, ela possuía a força. Seu rosto era um outro, irreconhecível. Nos momentos de violência apertava violentamente os lábios. Nos intantes de doçura entreabria a boca, dando-se inteira. E suava, da testa escorria para o rosto o suor. De surpresa de descobrir uma alma insuspeita, fiquei com os olhos cheios de água, na 

verdade eu chorava. Percebi que meu filho, quase uma criança, notara, expliquei:estou emocionada, vou tomar um calmante.
E ele:

-Você não sabe diferenciar emoção de nervosismo? você está tendo uma emoção.

Entendi, aceitei, e disse-lhe:

-Não vou tomar nenhum calmante.

E vivi o que era pra ser vivido.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

sábado, 31 de dezembro de 2011

Clarice Lispector - frag de A Paixão Segundo G.H.

Estou querendo viver daquilo inicial e primordial que exactamente fez com que certas coisas chegassem ao ponto de aspirar a serem humanas. Estou querendo que eu viva da parte humana mais difícil: que eu viva do germe do amor neutro, pois foi dessa fonte que começou a nascer aquilo que depois foi se distorcendo em sentimentações a tal ponto que o núcleo ficou esmagado em nós mesmos pela pata humana. É um amor muito maior que estou exigindo de mim – é uma vida tão maior que não tem sequer beleza. Estou tendo essa coragem dura que me dói como a carne que se transforma em parto. 

domingo, 16 de outubro de 2011

Clarice Lispector - Sou como você me vê

É curioso como não sei dizer quem sou.
Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer.
Sobretudo tenho medo de dizer porque
no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto
como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo...
Sou como você me vê.
Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania,
Depende de quando e como você me vê passar.
Não me dêem fórmulas certas, por que eu não espero acertar sempre.
Não me mostrem o que esperam de mim, por que vou seguir meu coração.
Não me façam ser quem não sou.
Não me convidem a ser igual, por que sinceramente sou diferente.
Não sei amar pela metade.
Não sei viver de mentira.
Não sei voar de pés no chão.
 Sou sempre eu mesmo, mas com certeza não serei o mesmo para sempre.


sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Clarice Lispector - Minha alma tem o peso da luz

Minha alma tem o peso da luz. 
Tem o peso da música. 
Tem o peso da palavra nunca dita, 
prestes quem sabe a ser dita. 
Tem o peso de uma lembrança. 
Tem o peso de uma saudade. 
Tem o peso de um olhar. 
Pesa como pesa uma ausência. 
E a lágrima que não se chorou. 
Tem o imaterial peso da solidão 
no meio de outros.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Clarice Lispector - citação (Felicidade Clandestina)

Às vezes, quando vejo uma pessoa que nunca vi, e tenho algum tempo para observá-la, eu me encarno nela e assim dou um grande passo para conhecê-la. E essa intrusão numa pessoa, qualquer que seja ela, nunca termina pela sua própria acusação: ao nela me encarnar, compreendo-lhe os motivos e perdôo. Preciso é prestar atenção para não encarnar numa vida perigosa e atraente, e que por isso mesmo eu não queira o retorno a mim mesmo.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Clarice Lispector - citação

"À duração da minha existência dou uma significação oculta que me ultrapassa. Sou um ser concomitante: reúno em mim o tempo passado, o presente e o futuro, o tempo que lateja no tique-taque dos relógios."

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Clarice Lispector - A fuga

"Começou a ficar escuro e ela teve medo. A chuva caía sem tréguas e as calçadas brilhavam úmidas à luz das lâmpadas. Passavam pessoas de guarda-chuva, impermeável, muito apressadas, os rostos cansados. Os automóveis deslizavam pelo asfalto molhado e uma ou outra buzina tocava maciamente.
Quis sentar-se num banco do jardim, porque na verdade não sentia a chuva e não se importava com o frio. Só mesmo um pouco de medo, porque ainda não resolvera o caminho a tomar. O banco seria um ponto de repouso. Mas os transeuntes olhavam-na com estranheza e ela prosseguia a marcha.
Estava cansada. Pensava sempre: "Mas que é que vai acontecer agora?" Se ficasse andando. Não era a solução. Voltar para casa? Não. Receava que alguma força a empurrasse para o ponto de partida."

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Clarice Lispector - Devaneio e Embriaguez duma Rapariga (fragmento)

(...)E quando ela ficava a se envergonhar não sabia aonde havia de fitar os olhos. Ai que tristeza. Que é que se há de fazer. Sentada no bordo da cama, a pestanejar resignada. Que bem que se via a lua nessas noites de verão. Inclinou-se um pouquito, desinteressada, resignada. A lua. Que bem que se via. A lua alta e amarela a deslizar pelo céu, a coitadita. A deslizar, a deslizar... Alta, alta. A lua. (...)



sábado, 15 de maio de 2010

Clarice Lispector - Aforismo

"De nada sei. Que se há de fazer com a verdade que todo mundo é um pouco triste e um pouco só".

domingo, 4 de abril de 2010

Clarice Lispector - As águas do Mundo (frag. de Felicidade Clandestina)

Às seis horas da manhã, a mulher entra no mar: este, o mais ininteligível das existências não humanas; ela, o mais ininteligível dos seres vivos.

Ela vai entrando, cumprindo uma coragem. Avançando, abre o mar pelo meio. Ela brinca com a água. Com a concha das mãos cheia de água, bebe em goles grandes. “E era isso o que lhe estava faltando: o mar por dentro como o líquido espesso de um homem.

Agora ela está toda igual a si mesma.”

Mergulha de novo, de novo bebe mais água. Como contra os costados de um navio, a água bate, volta, não recebe transmissões. Depois caminha na água e volta à praia. Agora, pisa na areia. “E sabe de algum modo obscuro que seus cabelos escorridos são de um náufrago. Porque sabe – sabe que fez um perigo. Um perigo tão antigo quanto o ser humano.”