— E então você não quis mais nada disso. E parou com a possibilidade de dor, o
que nunca se faz impunemente. Apenas parou e nada encontrou além disso. Eu não digo
que eu tenha muito, mas tenho ainda a procura intensa e uma esperança violenta. Não
esta sua voz baixa e doce. E eu não choro, se for preciso um dia eu grito, Lóri. Estou em
plena luta e muito mais perto do que se chama de pobre vitória humana do que você, mas
é vitória. Eu já poderia ter você com o meu corpo e minha alma. Esperarei nem que sejam
anos que você também tenha corpo-alma para amar. Nós ainda somos moços, podemos
perder algum tempo sem perder a vida inteira. Mas olhe para todos ao seu redor e veja o
que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado,
acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos
passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro.
Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada. Temos construído
catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos,
tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria
o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do
primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes
sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar
a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a
palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e
de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar
nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos
disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia
disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso
nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado
uma gafe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a
tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós
mesmos e para que no fim do dia possamos dizer "pelo menos não fui tolo" e assim não
ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não
sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura.
Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa
de cada dia. Mas eu escapei disso, Lóri, escapei com a ferocidade com que se escapa da
peste, Lóri, e esperarei até você também estar mais pronta.
quarta-feira, 27 de abril de 2016
sábado, 23 de abril de 2016
Shakespeare - Romeu e Julieta (frag)
ROMEU:
Se a mão indigna profana esta capela,
O pecado gentil aí está:
Meus lábios peregrinos a mazela
De um toque querem com um beijo atenuar.
JULIETA:
Fazeis às vossas mãos um desatino,
Se a devoção demonstram por tal meio;
Nas mãos das santas toca o peregrino,
E palma e palma é o beijo do romeiro.
ROMEU:
Ambos não possuem lábios, igualmente?
JULIETA:
Sim, lábios onde a prece prevaleça.
ROMEU:
Que os lábios, meu anjo, façam justamente
O que a mão faz, pra que a fé não enlouqueça.
JULIETA:
Em mover-se assim a santa não se empenha.
ROMEU:
Então deixai que o meu pedido eu obtenha.
terça-feira, 12 de abril de 2016
Emil Cioran - Silogismos da amargura (frag)
É preciso ter a coragem de reconhecer que a vida não resiste a uma interrogação séria e que é difícil, e mesmo impossível, atribuir um sentido ao que visivelmente não comporta um. Por outro lado, nem que seja por gosto do paradoxo, podemos ser seduzidos por esse naufrágio, pela amplidão, pelo brilho do nada de tudo o que vive.
segunda-feira, 11 de abril de 2016
Tolstoi - Ana Karenina (frag)
"Querem a todo transe ensinar-nos a viver, eles, que não fazem a mínima ideia do que seja a felicidade. Não sabem que, sem este amor, não haveria para nós nem alegria nem dor neste mundo, a vida deixaria de existir."
domingo, 3 de abril de 2016
Alejandro Zambra - Formas de Voltar Para Casa (frag)
Na época não sabíamos os nomes das árvores ou dos pássaros. Não era necessário. Vivíamos com poucas palavras e era possível responder a todas as perguntas dizendo: não sei. Não achávamos que isso fosse ignorância. Chamávamos de honestidade. Depois aprendemos, pouco a pouco, os matizes. Os nomes das árvores, dos pássaros, dos rios. E decidimos que qualquer frase era melhor que o silêncio.
Mas sou contra a nostalgia.
Não, não é verdade. Eu gostaria de ser contra a nostalgia. Para onde quer que eu olhe há alguém renovando votos com o passado. Recordamos canções que na verdade nunca nos agradaram, voltamos a ver as primeiras namoradas, colegas de curso por quem não tínhamos simpatia, saudamos de braços abertos gente que repudiávamos.
Me assombra a facilidade com que esquecemos o que sentíamos, o que queríamos. A rapidez com que assumimos que agora desejamos ou sentimos algo diferente. E ao mesmo tempo queremos rir das mesmas piadas. Queremos, julgamos ser de novo os meninos abençoados pela penumbra.
Mas sou contra a nostalgia.
Não, não é verdade. Eu gostaria de ser contra a nostalgia. Para onde quer que eu olhe há alguém renovando votos com o passado. Recordamos canções que na verdade nunca nos agradaram, voltamos a ver as primeiras namoradas, colegas de curso por quem não tínhamos simpatia, saudamos de braços abertos gente que repudiávamos.
Me assombra a facilidade com que esquecemos o que sentíamos, o que queríamos. A rapidez com que assumimos que agora desejamos ou sentimos algo diferente. E ao mesmo tempo queremos rir das mesmas piadas. Queremos, julgamos ser de novo os meninos abençoados pela penumbra.
sexta-feira, 1 de abril de 2016
Tolstói - Anna Karenina (frag)
"Toda diversidade, todo encanto, toda beleza da vida se compõe de luzes e de sombras."
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