Eu assisti a poucos dias um vídeo de um discurso de Isabel Allende. Ela falava da paixão. “(...) e não é sempre verdade? O coração é o que nos motiva e determina nosso destino”.
Ela começa com a questão: o que é mais verdade que a verdade? E responde: a história. Allende é uma contadora de histórias que não inventa personagens. É uma guerreira apaixonada que questionou o patriarcado e aceitou o desafio de pagar o preço pela sua própria liberdade.
Uma feminista que, como ela mesma aponta, não está fora de moda. E se o termo feminismo assusta, use algo como Vênus, Afrodite...o importante é a paixão que nos leva a lutar por aquilo que acreditamos. Contando histórias de personagens reais, impulsionadas por uma paixão que desafiam a nossa limitada capacidade de entender e compreender o outro, Allende nos apresenta Wangari Maathai, do Quênia, ganhadora do prêmio Nobel, que plantou mais de 30 milhões de árvores com o apoio e dedicação de um número incontável de mulheres, mudando o solo e o clima em muitos lugares da África. Somaly Mam, uma ativista cambojana que luta apaixonadamente contra a prostituição infantil. Quando ela tinha 14 anos, seu avô a vendeu para um bordel e hoje ela pede ajuda ao mundo para que garotinhas estupradas por homens que acreditam que transar com uma virgem menina os cura da AIDS não seja mais a realidade de ninguém.
Relata, com a sensibilidade Allende de ser, uma história de paixão. “O ano é 1998, o lugar é um campo de concentração para refugiados Tutsi no Congo. A propósito, 80% de todos os refugiados e desabrigados no mundo são mulheres e meninas. Podemos chamar esse lugar no congo de campo da morte porque os que não são assassinados morrerão de doenças ou de fome. Os protagonistas dessa história são uma jovem mulher, Rose Mapendo, e seus filhos. Ela está grávida e viúva. Os soldados a forçaram a assistir seu marido ser torturado e morto. De alguma forma ela conseguiu manter suas sete crianças vivas e alguns meses mais tarde ela dá a luz a gêmeos prematuros. Dois pequenos meninos. Ela corta o cordão umbilical com um graveto e o amarra com seu próprio cabelo. Ela dá a seus filhos os nomes dos comandantes do campo para ganhar a benção deles e poder alimentá-los com chá preto, já que o seu leite não pode sustentá-los. Quando os soldados invadem sua cela para estuprar sua filha mais velha, ela agarra sua filha e se recusa a largá-la, mesmo quando eles apontam uma arma para sua cabeça. Milagrosamente a família sobrevive por 16 meses, e então, por extraordinária sorte, e o coração apaixonado de um jovem americano, Sasha Chanoff, que consegue colocá-la em um avião de resgate americano, Rose Mapendo e seus nove filhos pousam no Phoenix, Arizona onde agora vivem e prosperam. Mapendo em suaíli significa grande amor”.
Usar a paixão para ver o outro não é uma dádiva. É uma escolha. Nos preocupamos tanto com nossas pequenas indecisões, problemas cotidianos, com ou sem importância, que deixamos de ver o grande cenário. O todo. O nosso contorno, o nosso mundo. Se trabalhássemos juntas, “ligadas, informadas e educadas”, poderíamos “trazer paz e prosperidade a esse planeta abandonado. Homens controlam o mundo, e vejam a bagunça em que vivemos”. E questiona: Que tipo de mundo nós queremos? Nós queremos um mundo onde a vida é preservada e a qualidade de vida é acessível a todos. “As sociedades mais pobres e atrasadas são sempre aquelas que menosprezam suas mulheres”. E essa é uma verdade que é mais verdade. Não é a sua verdade, nem a minha verdade. É a verdade dos fatos, da história. E “essa verdade óbvia ainda é ignorada pelo governo e também pela filantropia”.
Isabel Allende, um ícone, uma referência literária e Humana, nos pede, nos convida, nos incentiva: “Vamos levantar nossos traseiros, arregaçar nossas mangas e trabalhar apaixonadamente para criar um mundo quase perfeito”.
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