terça-feira, 28 de julho de 2009

Arthur Schopenhauer - A Dor e o Tédio São os Dois Maiores Inimigos da Felicidade

O panorama mais amplo mostra-nos a dor e o tédio como os dois inimigos da felicidade humana. Observe-se ainda: à medida que conseguimos afastar-nos de um, mais nos aproximamos do outro, e vice-versa; de modo que a nossa vida, na realidade, expõe uma oscilação mais forte ou mais fraca entre ambos. Isso origina-se do facto de eles se encontrarem reciprocamente num antagonismo duplo, ou seja, um antagonismo exterior ou oubjectivo, e outro interior e subjectivo. De facto, exteriormente, a necessidade e a privação geram a dor; em contrapartida, a segurança e a abundância geram o tédio. Em conformidade com isso, vemos a classe inferior do povo numa luta constante contra a necessidade, portanto contra a dor; o mundo rico e aristocrático, pelo contrário, numa luta persistente, muitas vezes realmente desesperada contra o tédio. O antagonismo interior ou subjectivo entre ambos os sofrimentos baseia-se no facto de que, em cada indivíduo, a susceptibilidade para um encontra-se em proporção inversa à susceptibilidade para o outro, já que ela é determinada pela medida das suas forças espirituais. Com efeito, a obtusidade do espírito está, em geral, associada à da sensação e à ausência da excitabilidade, qualidades que tornam o indivíduo menos susceptível às dores e aflições de qualquer tipo e intensidade. Por outro lado, dessa mesma obtusidade espiritual resulta aquela vacuidade interior estampada num sem-número de rostos, que se trai por uma atenção sempre activa, dada a todos os acontecimentos do mundo exterior, mesmo os mais ínfimos. Tal vacuidade é a verdadeira fonte do tédio e leva sempre a ansiar por estímulos exteriores, para colocar o espírito e a mente em movimento mediante qualquer meio.

Sendo assim, na escolha de tais meios, essa vacuidade não é fastidiosa, como atestam a mesquinhez das distracções às quais as pessoas recorrem, o tipo de sociabilidade e conversação que procuram, bem como o grande número de ociosos e curiosos. É principalmente dessa vacuidade interior que se origina a busca por reuniões, distracções, divertimentos e luxo de todo o tipo, busca que conduz tantas pessoas à dissipação e depois à miséria. Nada preserva tanto desse desvio quanto a riqueza interior, a riqueza do espírito. Pois esta, quanto mais se aproxima da eminência, menos espaço deixa para o tédio. A actividade inesgotável dos pensamentos, o seu jogo sempre renovado diante dos diversos fenómenos do mundo interior e exterior, a força e o impulso para combinações sempre variadas com eles, colocam a cabela eminente, descontados os momentos de cansaço, totalmente além do alcance do tédio. Mas, por outro lado, a inteligência intensificada tem por condição imediata uma sensibilidade elevada, e por raiz uma maior veemência da vontade, portanto da passionalidade. Da união daquela com estas resulta, então, uma intensidade muito maior de todos os afectos e uma sensibilidade elevada em face das dores espirituais e mesmo físicas, bem como uma impaciência maior diante de qualquer obstáculo, ou até de simples incómodos.

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