quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Ferreira Gullar - Evocação de silêncios

O silêncio habitava
o corredor de entrada
de uma meia morada
na rua das Hortas

o silêncio era frio
no chão de ladrilhos
e branco de cal
nas paredes altas

enquanto lá fora
o sol escaldava

Para além da porta
na sala nos quartos
o silêncio cheirava
àquela família

e na cristaleira
(onde a luzse excedia)
cintilava extremo:
quase se partia

Mas era macionas folhas caladas
do quintal
vazio

e
negro
no poço
negro
que tudo sugava:
vozes luzes
tatalar de asa

o que
circulava
no quintal da casa

O mesmo silêncio
voava em zoada
nas copas
nas palmas
por sobre telhados

até uma caldeira
que enferrujava
na areia da praia
do Jenipapeiro
e ali se deitava:
uma nesga dágua

um susto no chão
fragmento talvez
de água primeira
água brasileira

Era também açúcar
o silêncio
dentro do depósito
(na quitanda
de tarde)

o cheiro
queimando sob a tampa
no escuro

energia solar
que vendíamos
aos quilos

Que rumor era
esse ? barulho
que de tão oculto
só o olfatoo escuta ?

que silêncio
era esse
tão gritado
de vozes
(todas elas)

queimada
sem fogo alto ?
(na usina)

alarido
das tardes
das manhãs

agora em tumulto
dentro do açúcar

um estampido
(um clarão)
se se abre a tampa.

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