sábado, 4 de outubro de 2008

Centenário da morte de Machado de Assis

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro RJ em 21 de junho de 1839 e passou a infância e a adolescência no morro do Livramento. Cedo perdeu a mãe e ficou sob os cuidados da madrasta, Maria Inês. Fez os estudos primários numa escola pública do bairro de São Cristóvão e foi aluno do padre Silveira Sarmento, que o contratou como sacristão. Interessou-se então pelo estudo de línguas e aprendeu francês, inglês e alemão.
Machado de Assis construiu uma obra solitária, ainda insuperável em seu conjunto e acima das correntes literárias de seu tempo. Segundo Manuel Bandeira, "nenhum escritor o sobrepuja na harmonia de todas as qualidades, que faz dele nosso clássico por excelência". Para Alfredo Bosi, "o ponto mais alto e mais equilibrado da prosa realista brasileira acha-se na ficção de Machado de Assis".
Em 1855, publicou o primeiro trabalho, o poema "Ela", no jornal Marmota Fluminense. Depois entrou como aprendiz de tipógrafo na Imprensa Nacional, de onde passou, como revisor de provas, para a tipografia de Paula Brito. Lá conheceu escritores e jornalistas. A partir desse ano, colaborou no Correio Mercantil, Diário do Rio de Janeiro, Semana Ilustrada e Jornal das Famílias, periódicos onde publicou boa parte de sua obra inicial. Em 1867 foi nomeado ajudante do diretor do Diário Oficial e dois anos mais tarde casou-se com Carolina Augusta Xavier de Novais, irmã do poeta português Faustino Xavier de Novais.
O casamento teve importância decisiva na vida de Machado de Assis, pois os 35 anos de vida conjugal harmoniosa dariam ao escritor a serenidade necessária à criação de sua obra. Foi intensa a atividade do escritor na década de 1870. Colaborou no Jornal da Tarde, lançou o primeiro romance, Ressurreição (1872), e exerceu as funções de primeiro-oficial da secretaria do Ministério da Agricultura, Viação e Obras Públicas (1873). No Jornal das Famílias, entre 1874 e 1876, iniciou a publicação das Histórias românticas, e, depois, Relíquias de casa velha. Ainda em 1874, começou no jornal O Globo a publicação, em folhetins, de A mão e a luva. Colaborou na Gazeta de Notícias, na Revista Brasileira e em O Cruzeiro (1878) editou, também em folhetins, o romance Iaiá Garcia.
Em 1880 foi nomeado oficial de gabinete do ministro da Agricultura; oito anos mais tarde foi elevado à categoria de oficial da Ordem da Rosa; e em 1892 ascendeu a diretor-geral da Viação. Paralelamente, consolidou-se seu prestígio como escritor, já amplamente reconhecido. Em 1896 fundou, com outros intelectuais, a Academia Brasileira de Letras, da qual foi eleito presidente no ano seguinte.
Machado de Assis criou uma obra equilibrada que inclui romances, contos, crônicas, ensaios, poesia e teatro. Mas foi no romance e no conto que se realizou plenamente como escritor. Como dramaturgo, limitou-se às comédias ligeiras, a maior parte delas com um único ato, sem importância em sua produção. Das 13 peças que escreveu, destacam-se Tu só, tu, puro amor e Lição de botânica. Como poeta, contemporâneo ainda da segunda geração romântica, Machado sofreu a influência dessa escola: seus versos -- reveladores de uma severa perfeição formal -- não possuem entretanto o mesmo calor nem a força expressiva dos grandes poetas românticos. Assim, do romantismo das Crisálidas (1864) e Falenas (1870), passou ao clima indianista das Americanas (1875) e à experiência parnasiana das Ocidentais (1879-1880), cujos poemas de impecável tessitura formal já deixam entrever a filosofia amarga de seus contos e romances. Entre os mais conhecidos, figuram "A mosca azul", "Círculo vicioso", "A Carolina", "Soneto de Natal", "Uma criatura" e "No alto".
No ensaio, revelou-se prosador correto, elegante e agudo crítico literário e teatral. Como cronista, é um dos maiores do Brasil: ágil, espirituoso, sempre atento aos acontecimentos, conseguiu captar e tratar com humor a alma carioca de sua época. Suas crônicas foram publicadas na imprensa, em colunas como "Histórias de quinze dias", "Notas semanais", "Balas de estalo" e "A semana".
No conto, Machado de Assis produziu algumas obras-primas. O melhor de sua produção de contista está nas coletâneas Papéis avulsos (1882), Histórias sem data (1884), Várias histórias (1896), Páginas recolhidas (1899) e Relíquias de casa velha (1906). São contos de observação da vida exterior e de análise psicológica, em que o autor foi mestre consumado. O conto machadiano é uma arte de pormenores, de sutilezas, em que há o engaste perfeito da simplicidade do estilo, do humor e da reflexão. Entre os melhores estão "Cantiga de esponsais", "Missa do galo", "Uns braços", "A desejada das gentes", "Trio em lá menor", "A chinela turca", "O enfermeiro" e "O alienista", este último na verdade uma novela.
Já nos primeiros romances, Machado deixa entrever as qualidades de grande prosador. Mas é sobretudo na trilogia Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891) e Dom Casmurro (1900) que aparece sua genialidade. Brás Cubas é o romance que serve de divisor de águas da obra machadiana e inaugura a fase de maturidade do escritor; Quincas Borba prossegue a narração em terceira pessoa para contar a história de um provinciano ingênuo, herdeiro improvisado que cai nas mãos de um casal jovem e ambicioso. Dom Casmurro faz voltar o estilo das memórias quase-póstumas, ao apresentar o relato de Bentinho, que se crê traído pela mulher e pelo melhor amigo, e relata sua vida quando ambos já estão mortos. Essa atmosfera e esses padrões da trilogia continuam em Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908), em que já se consumou o maneirismo de Machado. As primeiras obras, embora românticas, já esboçam, nas entrelinhas das situações insípidas, não apenas o perfil do sóbrio estilista, mas algumas das linhas mestras que se afirmam em sua obra a partir de Brás Cubas. Sutil e reticente, Machado examina a precariedade da condição humana e destila, vagaroso e implacável, seu fel contra a vida e os homens. A dúvida, a indecisão, o logro e a loucura são temas característicos de seus romances, a que, se faltam pujança e paixão, sobram estilo e viva observação psicológica. O agravamento de sua doença, a epilepsia, mal que, latente na infância, acentuou-se por volta dos quarenta anos, talvez determinasse de certa forma seu radical e incurável ceticismo.
Entre os tipos machadianos, sempre estranhos e contraditórios, alguns há de notável estatura e precisão literária, como é o caso de Capitu, símbolo da dissimulação; Virgília, imagem da inconseqüência e da leviandade; Flora, que morre vítima de sua própria contradição interior; Brás Cubas, a quem o absurdo da existência leva ao delírio; Rubião, condenado à loucura por pureza e ingenuidade; e o Conselheiro Aires, encarnação da finura, do humorismo sutil -- flor sarcástica do pensamento de seu criador.
Machado de Assis levou vida retirada depois da morte da esposa, em 1904, e morreu em 29 de setembro de 1908, na casa do Cosme Velho, no Rio de Janeiro.

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