sábado, 13 de setembro de 2008

Álvares de Azevedo

Manuel Antônio Álvares de Azevedo nasceu em São Paulo SP em 12 de setembro de 1831. Após concluir, em 1847, o curso secundário no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, matriculou-se em 1848 na Faculdade de Direito de São Paulo. Aluno muito aplicado, fez parte da Sociedade Ensaio Filosófico Paulistano e tornou-se amigo íntimo de Bernardo Guimarães e Aureliano Lessa, com os quais formou um trio dos mais famosos por seus excessos românticos.
Deixaram marcas profundas no poeta os desencantos românticos, a exaltação dos sentidos, a crítica à vida social conformista e, desde cedo, a obsessão da morte. Muito admirado por seus contemporâneos, embora quase nada tenha publicado em vida, sobressaiu-se sobretudo pelo feitio íntimo de seu lirismo, que exerceu notável e prolongada influência nos poetas brasileiros que lhe sucederam.
Suas obras completas, como as conhecemos hoje, após a publicação póstuma dos versos e textos em prosa, compreendem Lira dos vinte anos; Poesias diversas; Poema do frade e O conde de Lopo, poemas narrativos; Macário, "tentativa dramática"; Noite na taverna, episódios romanescos; a terceira parte do romance Livro de Fra-Gondicário; os estudos críticos sobre Literatura e civilização em Portugal, Lucano, George Sand, Jacques Rolla; alguns artigos, discursos e 69 cartas.
Submetidas a constantes reedições, algumas dessas obras, como Macário e Noite na taverna, foram muito populares até meados do século XX. Em numerosos poemas que também ficaram célebres, os desencantos do autor são tingidos por uma terna ironia adolescente. É o caso de "Lembrança de morrer", onde ele diz: "Descansem o meu leito solitário / Na floresta dos homens esquecida, / À sombra de uma cruz, e escrevam nela: / -- Foi poeta, sonhou e amou na vida".
Em "O poeta moribundo", o mesmo tema lhe permitiu fundir com mais clareza os dois lados, o humorístico e o sentimental, de sua lira: "Eu morro qual nas mãos da cozinheira / O marreco piando na agonia... / Como o cisne de outrora... que gemendo / Entre os hinos de amor se enternecia."
Atacado pela tuberculose, Álvares de Azevedo morreu em São Paulo, aos vinte anos, em 25 de abril de 1852. Pouco depois, com as primeiras edições das Poesias (1853 e 1855), sua obra imatura mas transbordante de talento consagrou-o de vez como um dos nomes mais representativos de toda a saga romântica.



Lembrança de morrer - Álvares de Azevedo


Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nem uma lágrima
Em pálpebra demente.

E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste pensamento.

Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro
-Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;

Como o desterro de minh'alma errante,
Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade-é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.

Só levo uma saudade-é dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas...
De ti, ó minha mãe! pobre coitada
Que por minha tristeza te definhas!

De meu pai... de meus únicos amigos,
Poucos – bem poucos – e que não zombavam
Quando, em noites de febre endoidecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei... que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!

Só tú à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores...
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo...
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!

Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
-Foi poeta-sonhou-e amou na vida.

Sombras do vale, noites na montanha,
Que minh'alma cantou e amava tanto,
Protejei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe encanto!

Mas quando preludia ave d'aurora
E quando à meia-noite o céu repoussa,
Arvoredos do bosque, abri os ramos...
Deixai a lua pratear-me a lousa!

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