sábado, 29 de março de 2008

FLORBELA ESPANCA - LIVRO DAS MÁGOAS (fragmentos)

(...)

LÁGRIMAS OCULTAS

Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era q'rida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida,
Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!

(...)

A MAIOR TORTURA

Sou a sombra profunda dos espaços
Eu sou a dor de um pobre enlouquecido
Ergo aos céus mudos meus braços
E o céu é sempre azul e sempre nudo.

À Terra não me prendem nenhuns laços
Perco-me em mim na dor de ter vivido!
E não tenho a doçura duns abraços
Que me façam sorrir de ter nascido!

Sou como tu, um cardo desprezado,
A urza que se pisa sob os pés,
Sou como tu, um riso desgraçado!

Mas a minha Tortura ainda é maior:
Não ser poeta, assim como tu és
Para falar assim da minha Dor!

(...)

PARA QUÊ?!

Tudo é vaidade neste mundo vão...
Tudo é tristeza, tudo é pó, é nada!
E mal desponta em nós a madrugada,
Vem logo a noite encher o coração!

Até o amor nos mente, essa canção
Que o nosso peito ri à gargalhada,
Flor que é nascida e logo desfolhada,
Pétalas que se pisam pelo chão!...

Beijos de amor! Pra quê?!... Tristes vaidades!
Sonhos que logo são realidades,
Que nos deixam a alma como morta!

Só neles acredita quem é louca!
Beijos de amor que vão de boca em boca,
Como pobres que vão de porta em porta!...

(...)

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